sexta-feira, 11 de setembro de 2015

O primeiro niqab a gente nunca esquece...

Na última quarta feira fomos convidados por um amigo árabe para dar um passeio numa feira local, um souk como eles chamam, e de nada diferia das nossas feiras que temos por aí: num centro de eventos, vários stands, cada um com seus produtos e no meio uma pracinha de alimentação.

Bom, eu tinha comprado um niqab na nossa viagem pro Qatar e nunca tinha usado, Pensei então que tava aí uma oportunidade de usar, pois iríamos em um local onde a maioria seriam sauditas...


Mas o que é o Niqab?
Niqab é essa peça de tecido que tem abertura para os olhos e se usa por cima do véu.

Diferente do que muitos pensam a burca não é a única peça feminina que existe aqui no oriente médio (quero ter a oportunidade de explicar melhor em um próximo post sobre a abaya, burqa, hijab e afins).

Prontinha pra sair, tirei a selfie, postei no facebook e "me fui"...



Ninja?

Dessa experiência eu queria relatar dois momentos:

Primeiramente: Meu passeio no souk
Chegando lá pra estacionar já foi um ponto pro meu poder de camuflagem: marido perguntou onde estacionar e o guarda não sabia inglês, olhou pra mim com esperança e falou em árabe... ficou decepcionado. haha mas enganei ;)
Quando encontramos o amigo árabe do Camilo, ele logo já elogiou meu novo visual, e quando nos apresentou pra família dele, que ainda não tínhamos conhecido, também recebi elogios da mãe dele por estar só com o para brisa à mostra. O que penso que deve ser complicado é como reconhecer numa próxima vez essas mulheres que acabei de conhecer? Impossible, no?

Segundamente: A selfie do facebook

Chegando em casa e checando as notificações me deparei com a pergunta de uma amiga:








E a partir disso seguiu-se uma reflexão e a idéia desse post, e é a pergunta dela que vou responder aqui.

É bem interessante isso (de andar toda coberta) porque acaba virando uma coisa de ambiente.
Eu não ligo muito de usar essas roupas porque não vou estar diferente da maioria... Digo da maioria pois tem muitas estrangeiras que optam por não cobrir a cabeça ou por usar lenços coloridos, quando o tradicional da Arábia Saudita é o preto. Então apesar dessa leve flexibilidade aqui na minha cidade, a grande maioria ainda usa o lenço preto e o rosto coberto.  
Eu usei esse que tapa o rosto pela primeira vez ontem e admito que não é nada confortável. Às vezes saio sem o véu e rola uns olhares feios das mulheres locais, também: não é sempre que uma loira põe as madeixas reluzir ao sol por aqui. 
Mas não me incomoda usar a abaya (o vestidão preto) por cima da roupa. Passa uma sensação de segurança e outra vantagem é que se você estava de qualquer jeito em casa e precisa dar uma saidinha rápida, é só jogar aquilo por cima, pegar a bolsa e ir. 
Eu preferi me moldar ao ambiente. Dependendo onde vou, se sei que tem mais estrangeiros ou mais locais, vou mais fardada ou não. Pra mim é uma questão de respeito maior que a vaidade. Claro que não me acho nada bonita nas fotos de véu na cabeça, sinto falta do meu cabelo. Mas quando eu posso não uso o lenço, simples assim. Também aprendi jeitos diferentes de prender o lenço, é quase como aprender a fazer penteados. Quando você sente vontade de caprichar, usa o véu de um jeitinho diferente. 
Muita mulher vem pra cá e bate o pé, vem talvez à contragosto e sofre por ter que se cobrir. Tem mulheres que tem necessidade de se sentirem observadas e admiradas, isso é normal de algumas pessoas, sem julgamentos. Mas acaba que existem muitas abayas bonitas, com modelagens e detalhes que trazem um pouco de alegria. Tem que ter mente aberta e jogo de cintura pra encarar uma realidade dessas sem sofrer tanto. Porque tem que usar, qualquer argumento contra que você tenha aqui não vale nada.

Na questão prática, o véu realmente protege da areia quando tem um ventinho mais forte e segura um pouco do suor da cabeça, mas não é nada fresquinho não. Dependendo a largura da abaya, as vezes é uma arma pra tropeçar! A comunicação com as mulheres que ficam só com os olhos de fora é difícil porque elas já falam baixo, o véu abafa o som e não da pra ver as expressões delas. 



Outra coisa que me perguntam muito é que tipo de roupa tem nos shoppings, já que mulher só anda de abaya? 
No shopping tem as mesmas roupas que num shopping no Brasil, desde shortinho curto à blusinha de barriga de fora, roupa de vovó à roupa de adolescente moderninha. Tem piercing de nariz pra vender no mesmo lugar que vende pulseiras e brincos. Tem meia calça arrastão e lingerie safadinha. Tem vestido de festa decotado e vestido típico de árabe. Super normal, EXISTE VIDA EMBAIXO DA ABAYA!

Vale lembrar que são poucas as mulheres que trabalham aqui. O passatempo da grande maioria é fazer visitas às amigas. Dentro de casa e nos ambientes onde só mulheres frequentam elas podem ficar sem a abaya. Essa máxima nunca foi tão válida como aqui na Arábia: "mulher se veste pras amigas notarem".
No meu caso e de muitas estrangeiras na mesma situação que a minha, eu moro em condomínio fechado, dentro do condomínio a vida é normal como em casa. Não coloco abaya pra sair fora de casa e posso ir na piscina de biquíni. Abaya então só pra sair da nossa fortaleza ocidental.  

Se eu gosto mesmo? To encarando isso tudo como uma brincadeira, um personagem, então é tranquilo. Quem sabe um dia eu canse de "brincar"... não sei.  

Mas o mais valioso é ver que a gente se engana muito quando acha algo de algum lugar que não conhece direito. Eu tive bastante tempo de me preparar psicologicamente pra morar aqui e me submeter à cultura local. Então digo que o choque não foi tão grande. Eu cheguei aqui já sabendo como usar o lenço entre outras coisas. Posso não concordar com tamanha rigidez, mas estou como visita. Ninguém gosta de receber em casa uma visita que faz baderna né?

P.S.: É difícil pra uma pessoa que nasce num ambiente (ocidental) entender os motivos e razões de uma mulher daqui gostar de se cobrir. É um retrocesso? Talvez sim. Mas sinceramente, a mulher aqui manda nos maridos e pra caramba. 
P.S.2: Uma coisa que me quebra toda vez que vejo é observar um saudita todo vestido com a roupa tradicional carregando com todo cuidado e carinho do mundo um bebê no colo. Eles parecem tão malvados! Os pais que tive oportunidade de conhecer aqui se mostraram pais carinhosos, como qualquer pai carinhoso do nosso país. 
P.S.3: ADORO ver um saudita de mais idade carregando as roupas que a filha adolescente está escolhendo em lojas tipo a Forever 21, H&M, etc... É uma quebra de paradigma. Mostra que as filhas ali tem todo o respeito e amor do mundo. E que eles tem mais paciência que muito marido que não gosta de ir no shopping olhar vitrines, né Camilo? hehehehe :P 

4 comentários:

  1. Gostaria de entender uma coisa, mas é só a abaya que é obrigatório?
    O niqab é apenas por ser mais respeituoso?

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    1. Oi Rê!
      Então, a abaya é obrigatoria, dificilmente na rua se vê uma mulher sem ela. Só vi mulher sem abaya no hospital, algumas enfermeiras, geralmente não-muçulmanas, em outros casos não. Sempre com a boa e velha abaya fora de casa.
      O véu e o niqab aqui onde moro é mais tranquilo. A grande maioria das locais usam o uniforme completo, mas as estrangeiras no máximo usam o véu além da abaya.
      Sei que em cidades menores, onde tem poucos expatriados, chamaria muita atenção não usar véu e niqab.
      Eu vou pelo feeling: onde sei que vai ter estrangeiras não uso o véu, onde sei que a maioria é de locais, eu uso pra não me incomodar com os olhares delas... pq elas olham feio as vezes.
      Muçulmanos de outros países usam roupa normal e véu colorido, outras usam casacos estilo sobretudo ao invés de abaya, outras amarram o véu de um jeito diferente. Isso acontece pq no Corão está escrito que a mulher tem que se vestir de maneira humilde, daí devido à milhares de interpretações se vestir de modo recatado na arábia é se cobrir dos pés à cabeça de preto, já em outro país essa interpretação julgou necessário somente cobrir a cabeça com qualquer cor...

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  2. Adorei! Muito bem explicado e, como você mesma disse: tudo é uma questão de se adequar ao local em que se está. Também acho que levaria numa boa tudo isso em um período curto de tempo. Para sempre? Acho difícil, pois temos nossa criação ocidental um pouco mais "liberal". Mas você está certíssima em aproveitar e conhecer tudo de uma cultura tão rica e diversificada como essa. Espero que você possa compartilhar mais experiências e fotos lá no blog :)

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    1. Oi Ana! Pois é, viver um pouco fora da zona de conforto é sempre enriquecedor, trabalha a paciência e a tolerância, mas eu confesso que o brilho no olho ta se apagando mais rápido do que eu pensei. Não tanto por ter que usar a abaia, mas mais pela limitação no lazer (quase todas as atividades sociais se resumem em comer...) e pela falta de liberdade. Como sinto falta de poder ter um parque pra correr, andar de patins ou bicicleta.
      Beijos!

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